sexta-feira, 25 de novembro de 2011

As Crônicas narradas através das Cartas de Ponta Grossa - 1ª carta

Prosseguindo com a história da fundação de nossa Casa, publicaremos algumas Cartas escritas por nosso Superior. Afinal, ninguém melhor do que ele para contar como recebemos a Tradição Monástica

Ponta Grossa, 20 de abril de 2008
 
Caros Amigos:
PAX!
 
         Desde que decidimos fundar um Mosteiro Beneditino em Mossoró sabíamos que seria necessário receber a Tradição Monástica de um outro Mosteiro já constituído. “Ninguém se faz monge sozinho. Alguém o gera”, diz o Abade D. André. Neste campo não existe autodidatismo. Se não se recebe, não se pode transmitir. Por isso que, desde 2001, vínhamos sondando, com este objetivo, através de contatos telefônicos ou por e-mails, os diversos Mosteiros existentes no Brasil. No entanto, sem maiores compromissos, uma vez que outros passos deveriam ser dados no âmbito da Diocese, com o apoio do Bispo.
         Em janeiro de 2006 conhecemos em Natal dois Abades franceses: D. Jacques (de Belloc) e D. Joel (de Tournay) que me convidaram para fazer o meu Noviciado numa dessas Abadias e depois, na minha volta, ajudar a articular as demais Fundações Diocesanas que existem no Nordeste, no sentido de uma futura agregação à Congregação Beneditina Sublacense. Pensei em aceitar o convite mas, Pe. Sátiro, que desde o início foi um grande incentivador deste Projeto, me convenceu a permanecer no Brasil. Hoje reconheço que ele estava coberto de razão.
         Com a minha decisão de ficar por aqui mesmo os Abades franceses me sugeriram, então, que tentasse o Mosteiro de Olinda. Foi o que eu fiz. Já conhecia o Abade D. Bernardo que me comunicou que, infelizmente, não poderia tomar nenhuma decisão já que estava renunciando ao cargo por problemas de saúde. Esperei, então, a Bênção Abacial do seu substituto, D. Felipe, que me disse, ao ser contatado, que iria transferir o noviciado de Olinda para Salvador. Falei, então, com D. Beda, do Mosteiro de Messejana, que também me comunicou que estava enviando seus noviços para Salvador. Foi quando entrei em contato com D. José Gabriel, Prior do Mosteiro de Garanhuns. Ele também estava renunciando ao Priorado e quando chegou o novo Prior, D. Gregório, falei com ele que me disse que estava com problemas de formadores e não poderia nos receber.
         Aí entrei em contato com o Arquiabade Presidente da Congregação Beneditina do Brasil, D. Emanuel d’Able do Amaral, da Arquiabadia de Salvador, que me sugeriu a Abadia da Ressurreição, em Ponta Grossa, PR. Entramos em contato com o Abade D. André Martins que, após consultar o Capítulo, me telefonou dizendo que eles estavam com as portas e os corações abertos para nos receber e que já poderíamos ir na Quaresma. Disse mais: que eles estavam realmente interessados em investir na Fundação de um Mosteiro no Nordeste, já que estavam recebendo muitas vocações da nossa Região e a lista de espera estava crescendo.
         Logo D. Mariano escreveu uma carta para ele me apresentando, dizendo que estava de acordo com a Fundação do Mosteiro da Santíssima Trindade em Mossoró e autorizando o Abade a fazer a nossa vestição.
         Além de mim também iriam o Ir. André de Soveral e o Ir. Lucas. O primeiro viajou antes para S. Paulo, onde ficou alguns dias na casa de uns parentes e o segundo viajou de Recife. O meu vôo saiu de Fortaleza, fez conexão em S. Paulo e no Aeroporto de Cumbica nos encontramos e seguimos os três juntos para Curitiba.  No Aeroporto da capital paranaense estavam nos esperando o próprio Abade D. André Martins e o Prior D. Rafael. De lá seguimos para Ponta Grossa, onde chegamos por volta das 09:30h do dia 14 de abril de 2007.
         Foi uma chegada festiva na Abadia da Ressurreição. Os sinos anunciavam a nossa chegada e toda a Comunidade veio ao nosso encontro para nos abraçar, desejar boas vindas,  sob o olhar sorridente e feliz do nosso Abade. De fato, S. Bento no número 53 da sua Regra diz que “todos os hóspedes que chegarem ao Mosteiro, sejam recebidos como o Cristo, pois Ele próprio irá dizer: ‘Fui hóspede e me recebestes’ (Mt. 25,35)”. Pois fomos acolhidos aqui no melhor estilo beneditino.
         Leonardo Boff escreveu 3 livros apresentando as virtudes básicas para um outro mundo possível, na perspectiva de uma ética mundial  que favoreça a vida do ser humano na terra, nossa casa comum. São elas: a hospitalidade, a convivência, o respeito, a tolerância e a comensalidade. No volume 1 ele fala da Hospitalidade como Direito e Dever de todos. No Capítulo III  ele narra o mito da Hospitalidade que transcrevo:
         “Júpiter, o deus criador e seu filho Hermes, quiseram saber como andava o espírito de hospitalidade entre os humanos. Travestiram-se de pobres e começaram a peregrinar pelo mundo afora.. Foram maltratados por uns, expulsos por outros.
         Depois de muito peregrinar tiveram que cruzar por uma terra cujos habitantes eram conhecidos por sua rudeza.. As divindades sequer pensavam em pedir hospitalidade. Mas à noitinha passaram por uma choupana onde morava um casal de velhinhos, Báucis e Filêmon. Qual não foi a surpresa, quando Filêmon saiu à porta e sorridente foi logo dizendo: Forasteiros, vocês devem estar exaustos e com fome. Entrem. A  casa é pobre mas aberta para acolhê-los.
Báucis ofereceu-lhes logo um assento enquanto Filêmon acendeu o fogo. Báucis esquentou água e começou a lavar os pés dos andarilhos. Com os legumes e um pouco de toucinho fizeram uma sopa suculenta. Por fim, ofereceram a própria cama para que os forasteiros pudessem descansar.
Nisso sobreveio grande tempestade. As águas subiram rapidamente e ameaçavam a região. Quando Báucis e Filêmon quiseram socorrer os vizinhos, ocorreu uma grande transformação: a tempestade parou e, de repente, a pequena choupana foi transformada num luzidio templo dourado. Báucis e Filêmon ficaram estarrecidos. Júpiter foi logo dizendo: Por causa da hospitalidade quero atender um pedido que fizerem. Báucis e Filêmon disseram unissonamente: O nosso desejo é servir-vos nesse templo por toda a vida. Hermes não ficou atrás: Quero que façam também um pedido. E eles, como se tivessem combinado, responderam: Depois de tanto amor gostaríamos de morrer juntos.
Seus pedidos foram atendidos. Um dia, quando estavam sentados no átrio, de repente Filêmon viu que o corpo de Báucis se revestia de folhagens floridas e que o seu próprio corpo também se cobria de folhas verdes. Mal puderam dizer adeus um ao outro. Filêmon foi transformado num enorme carvalho e Báucis numa frondosa  tília. As copas e os galhos se entrelaçaram no alto. E assim, abraçados, ficaram unidos para sempre. Os velhos até hoje repetem a lição: quem hospeda forasteiros, hospeda a Deus.
A Comunidade da Abadia da Ressurreição de Ponta Grossa tem sido para nós como o casal Filêmon e Baucis. Aqui viemos fazer uma experiência de 2 anos, mais ou menos, que corresponde, na linguagem da formação monástica, ao Noviciado. E o que é experiência? Vamos dissecar esta palavra apelando para a etimologia:
Ex = é uma preposição latina que significa estar orientado para fora, exposto a, aberto para. Por exemplo: ex-clamação; ex-posição; ex-istência. Manifesta uma característica fundamental do Homem que é, justamente, ser voltado para fora, em diálogo e em comunhão com o outro ou o mundo.
Peri = diz respeito a todos os lados. Daí “periferia”.
Ência = nos remete ao conhecimento. Por exemplo: “Ciência”.
Então, numa interpretação livre, a experiência seria o conhecimento que o Homem adquire quando sai de si e estuda o mundo por todos os lados. Não viemos em busca de conhecimento teórico ou livresco. Para isto não haveria necessidade de sair de Mossoró. Mas viemos em busca de viver a realidade de um Mosteiro nas suas  múltiplas dimensões: liturgia, trabalho, administração, tradição monástica, espiritualidade, formação, etc. Naquela concepção de Aristóteles que diz: “A experiência não resulta de uma percepção isolada, mas constitui uma síntese de muitas percepções e combinações reunidas, naquilo que possuem de comum, dentro de um modelo esquemático”.
Que Deus Uno e Trino, a Santíssima Virgem Maria e nosso Pai S. Bento derramem sobre todos vocês copiosas bênçãos.
 
Grande abraço.
 
Ir. Manoel, OSB

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